Por Lucas Couto Santana
A Jornada para o Tabernáculo de Moisés
A saga do primeiro Templo de Jerusalém não começa com o próprio Salomão. Ela é um fio dourado que se entrelaça através dos séculos, tecendo uma tapeçaria sagrada que remonta aos primórdios da fé e das promessas feitas por Deus aos patriarcas de Israel. Para compreender a grandeza e o simbolismo do Templo, é preciso remontar ao início desta jornada, quando o Todo-Poderoso fez uma promessa ousada e eterna: que os descendentes de um homem, Abraão, se tornariam uma grande nação e que essa nação herdaria uma terra abençoada e próspera, chamada de Canaã (Schultz, 2009).
A história dos hebreus remonta à figura de Abraão, que recebeu um chamado divino para deixar sua terra natal e migrar para Canaã. Abraão, em sua fé inabalável, deixou sua terra natal, guiado apenas pela voz divina, e lançou as fundações da nação que um dia ergueria o Templo de Salomão. Essa promessa, feita sob as estrelas do deserto, passaria de geração em geração, atravessando a vida de seu filho Isaque e de seu neto Jacó, que viria a ser chamado Israel, o pai das doze tribos. Ao longo dos séculos, essas tribos carregariam consigo uma identidade única, firmada nos pactos que seus antepassados selaram com Deus (Ademar, 2010).
Durante uma época de fome, Jacó e seus filhos, suas 12 tribos, se refugiaram no Egito, onde foram recebidos com hospitalidade graças à influência de José, filho de Jacó, que alcançou grande prestígio na corte do faraó (Nusk, 2023). No entanto, conforme relata Simon Schama (2015, p. 56), “o destino muitas vezes é moldado por provas, e o que começou como um refúgio transformou-se em cativeiro”. Por mais de quatrocentos anos, os descendentes de Abraão viveram como escravos no Egito, subjugados sob o peso de correntes que ameaçavam apagar suas esperanças e seu espírito. Mas mesmo nas profundezas do cativeiro, a promessa de Deus permanência viva, pulsando como uma chama que não poderia ser extinta (Schultz, 2009, p. 67).
Então surgiu Moisés, um homem destinado a ser o libertador do seu povo. Resgatado das águas do Nilo e criado como príncipe, ele se tornaria o instrumento divino para cumprir a promessa feita a Abraão. Ao enfrentar o faraó e liderar os hebreus para fora do Egito, Moisés não apenas libertou um povo do cativeiro, mas também renovou a aliança eterna entre Deus e Israel, conduzindo-os em uma jornada que travessia o Mar Vermelho e os levaria ao pé pelo deserto (Schama, 2015, p. 67; Ademar, 2010, p. 72).
O Incenso: Elo entre o Céu e a Terra
Durante a travessia pelo deserto, Moisés recebeu instruções divinas para a construção do Tabernáculo, um santuário portátil que seria o centro do culto e estímulo a Deus. O Monte Sinai foi o local onde Moisés recebeu os Dez Mandamentos, estabelecendo uma aliança formal entre Deus e os hebreus. Ali, no topo da montanha, Moisés recebeu instruções desenhadas para a construção do Tabernáculo. Este não seria um edifício permanente, mas sim uma tenda sagrada, móvel e acessível, que acompanharia o povo em sua jornada pelo deserto, simbolizando a presença de Deus entre eles.
Como descrito nos textos, a construção do Tabernáculo marcou o início de uma nova fase: a de um relacionamento espiritual mais profundo e íntimo entre Deus e Seu povo (Schama, 2015, Vol. 1). O propósito do Tabernáculo era servir como um ponto de união, de presença da divina, um lugar onde Deus habitava entre seu povo e onde os hebreus podiam oferecer sacrifícios e renovar sua aliança (Schama, 2015, p. 73; Haag, 2009).
Enquanto o Tabernáculo erguia-se majestosamente no centro do acampamento hebreu, havia um segredo conhecido apenas por alguns poucos: a receita do incenso sagrado. O incenso não era um perfume simples; suas fragrâncias complexas e delicadas tinham o poder de criar uma ponte entre o mundo terreno e o divino. Segundo os ensinamentos antigos, a combinação exata das especiarias criava uma conexão direta com a presença de Deus, algo que Moisés havia aprendido diretamente nas instruções dadas no Monte.
Conta-se que, enquanto Moisés estava no topo do Monte Sinai, envolto pela neblina sagrada e pela presença divina, ele recebeu uma visão extraordinária. Em meio ao silêncio, um anjo apareceu e revelou a Moisés um segredo celestial: o incenso sagrado. Ao ser mostrado o frasco que ardia suavemente, Moisés sentiu a fragrância do incenso, uma mistura de aromas que parecia transportar sua mente para um plano mais elevado. Em transe, ele conseguiu ver o Tabernáculo em sua totalidade, como se cada detalhe da tenda sagrada. se desenhasse diante de seus olhos. A fórmula do incenso, composta por estoraque, onycha, gálbano e incenso puro, não era apenas um perfume, mas uma conexão direta com a presença de Deus. Poderia preparar essa mistura, e qualquer tentativa de reprodução para uso comum seria considerada um ato de sacrilégio, punido com severidade.
Assim, o incenso tornou-se uma oferta exclusiva, um elo de ligação entre o céu e a terra, que apenas os mais dignos poderiam usar no Tabernáculo (Êxodo 30:34-38). E o Tabernáculo seria o precursor de todos os templos, o modelo sagrado que pavimentaria o caminho para a glória do Templo de Salomão e continuaria a ecoar através dos séculos como símbolo de fé, resiliência e esperança (Schama, 2015, p. 79).
O Tabernáculo: Um Símbolo de Presença Divina
O Tabernáculo de Moisés era composto por três partes: o Pátio Exterior, o Lugar Santo e o Santo dos Santos, refletindo uma estrutura hierárquica de proximidade com o divino. No Santo dos Santos, estava a Arca da Aliança, um baú revestido de ouro que continha as tábuas dos Dez Mandamentos, simbolizando a Lei e a presença direta de Deus.
Somente o Sumo Sacerdote tinha permissão para entrar no Santo dos Santos, e mesmo assim, apenas uma vez por ano, durante o Yom Kippur, para realizar o ritual de expiação pelos pecados do povo (Nusk, 2023).
O Tabernáculo era o centro espiritual e social da vida dos hebreus durante seus anos no deserto e reuniões assim até que se estabelecessem em Canaã (Ademar, 2010). Cada detalhe do Tabernáculo carregava significados profundos: os núcleos dos tecidos, os metais usados, e até mesmo a orientação em que a tenda era montada, tudo refletia aspectos da ordem cósmica e espiritual. Como explica Flávio Josefo, o Tabernáculo era uma representação do cosmos, com cada detalhe apontando para a estrutura do universo como criado por Deus (Schama, 2015, p. 79).
Em sua essência, o Tabernáculo era um reflexo do desejo humano de estar em comunhão constante com o divino. Não era um edifício imponente como os templos de pedra que viriam depois, mas tinha a capacidade de se mover, lembrando sempre que Deus caminha junto ao seu povo, esteja ele onde estiver (O Templo de Salomão, 2006).
O Guardião do Segredo
Entre as levitas, havia um grupo selecionado encarregado de preparar o incenso e manter sua composição em segredo absoluto. Uma tradição diz que o principal guardião do segredo era um jovem chamado Eleazar, neto de Arão, o Sumô Sacerdote. Desde pequeno, Eleazar foi treinado para apreciar as especiarias pelo aroma e pelo toque, e ele sabia que a responsabilidade que carregava era imensa. Ele havia herdado essa posição de seu pai, e sabia que, enquanto o Tabernáculo viajasse pelo deserto, deveria garantir que o incenso sagrado nunca faltasse, pois ele simbolizava a constante presença de Deus entre o povo.
Certa noite, enquanto Eleazar meditava dentro do Tabernáculo, algo extraordinário aconteceu. Enquanto o incenso queimava e a fumaça subia, ele notou que ela formava padrões misteriosos. Ele viu imagens, como sombras dançando, de acontecimentos passados e futuros, de conquistas e provas que os hebreus enfrentariam. Entendeu que o incenso não era só um aroma agradável, mas também uma forma de comunicação divina, uma maneira pela qual Deus revelava partes de Seu plano (Nusk, 2023).
O Mistério do Maná e o Incenso
Muitos relatos antigos sugerem que o incenso do Tabernáculo estava de alguma forma conectado ao homem, o misterioso alimento que caiu do céu e sustentou os israelitas em sua jornada pelo deserto. Alguns estudiosos acreditam que o homem tinha um aroma que lembrava o incenso, uma fragrância suave e celestial, que servia para registrar aos hebreus de que estavam constantemente sob o cuidado divino (Schultz, 2009, p. 67). Os registros da época falavam que o incenso era aceso todos os dias ao amanhecer e ao entardecer, e aqueles que passavam pelo Tabernáculo sentiam-se revitalizados e em paz, como se tivessem sido preparados de se alimentar do maná.
Mas havia algo mais: uma tradição secreta dizia que o incenso tinha a capacidade de proteger o povo de legislações e doenças. Uma vez, quando uma epidemia ameaçou o acampamento, Arão, seguindo as instruções que haviam recebido de Moisés, entrou no meio do povo segurando um incensário e, enquanto a fumaça se espalhava, a praga cessou (Números 16:46-50). A partir desse momento, o incenso não era apenas um símbolo de inspiração, mas também um escudo espiritual, uma oferenda que trazia proteção (Ademar, 2010, p. 72).
A Revelação da Jornada
Na noite anterior ao Dia da Expiação, quando o Sumo Sacerdote entrou no Santo dos Santos, Eleazar foi encarregado de preparar o incenso. Ele sabia que este era o momento mais importante do ano, quando uma nação inteira dependia do perdão divino. Antes de começar, ele fez algo incomum: derramou uma lágrima na mistura de especiarias, um gesto simples, mas cheio de fé. Ele desejava que, assim como a fumaça se elevasse, suas preces silenciosas por seu povo também chegassem ao coração de Deus.
Conta-se que, naquele ano, algo extraordinário aconteceu. Ao acender o incenso, Eleazar viu que a fumaça formava a imagem de um tabernáculo feito de luz, um sinal de que o próprio Deus havia aceitado sua oferenda e que o povo poderia continuar sua jornada com segurança (Schama, 2015, p. 73; Nusk, 2023).
Essa história curiosa sobre o incenso sagrado mostra como os elementos do Tabernáculo não eram apenas objetos de espírito, mas partes de um diálogo contínuo entre Deus e Seu povo. Cada luz, cada chama acesa, era uma manifestação de algo maior, de uma promessa de proteção e de uma presença constante.
Conclusão e Continuidade da Saga
Ao examinar a saga que começou com Abraão, passando pelo Tabernáculo e culminando no Templo de Salomão, vemos uma linha contínua de fé, esperança e identidade. Cada tenda e cada pedra é um marco na construção espiritual de uma fase e de seus membros individuais. O Tabernáculo pavimentou o caminho para o Templo e, em última análise, para a continuação do legado espiritual que perdura até hoje (Nusk, 2023).
À medida que avançamos na saga do Templo, compreendemos que o Tabernáculo era muito mais que um físico local. O Tabernáculo foi, portanto, um precursor essencial para o que viria a ser o grande Templo em Jerusalém. Enquanto o Tabernáculo representava a presença contínua e itinerante de Deus, o Templo representava o descanso, a conclusão e a fixação de Sua presença entre o Seu povo, um ponto de encontro eterno entre o céu e a terra (Haag, 2009).
Para ler mais sobre o Tabernáculo: Clique aqui.
Referências Bibliográficas
Ademar, J.A. (2010). A Bíblia, a arqueologia e a história de Israel e Judá. São Paulo: Ed. Vida.
Haag, M. (2009). Os Templários: História e Mito. São Paulo: Planeta.
Nusk, M. (2023). Os Templos de Jerusalém: Simbolismo e História. Apresentação em PowerPoint.
Schama, S. (2015). A História dos Judeus: Volumes 1 e 2. Rio de Janeiro: Companhia das Letras.
Schultz, SJ (2009). A História de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova.
* Agradecimento especial ao Irmão Miguel Nuske por compartilhar seus estudos que serviram de base e também de inspiração ao presente artigo.
* As imagens foram retiradas de diversos sites da internet, sem a propensão de corresponderem fielmente ao que está no texto bíblico. A ideia de todas as imagens usadas aqui é meramente ilustrativa.
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