Autor: Eleutério Nicolau da Conceição
“Uma convicção arraigada destrói (nega, rejeita, ignora) a informação que a desmente”
Edgar Morin*
Figura: Édouard Debat-Ponsan,1898.
Existem duas visões /expectativas a respeito da Maçonaria, cultivadas por grande número de maçons, que não parecem perceber seu caráter ilusório e fantasioso.
A primeira delas refere-se ao sonho de uma maçonaria politicamente influente e poderosa, com inspiração, ainda que inconsciente, na “Santa Vehme” alemã medieval: Uma organização capaz de influir nas decisões que determinam a vida do país, cobrar comportamentos e punir, mesmo aqueles políticos que escapam da justiça comum. Aqueles que manifestam essa aspiração parecem não se dar conta que uma organização com tal poder seria uma poderosíssima máfia. Quem poderia garantir a imparcialidade de uma organização que tivesse tal poder? Onde se encontraríamos maçons perfeitos para dirigir esta organização com plena lisura e total probidade? Se o poder corrompe, imagine-se a amplitude da corrupção possível em tal poder. Felizmente isso não passa de ilusão, fantasia baseada nas histórias/lendas da intervenção maçônica em diferentes momentos da história dos povos, que merecem estudos mais aprofundados. A fragmentação da Maçonaria brasileira e a multiplicidade de interesses individuais e paroquiais têm dificultado até o entendimento para a tomada de ações conjuntas em prol de necessárias e justas reivindicações populares.
O problema com essa ilusão é que, fixados nessa aspiração fantasiosa, muitos deixam passar reais oportunidades de atuação positiva em âmbito mais restrito, em sua cidade, seu bairro, sua família e em si mesmo.
A segunda parece ter maior número de adeptos. É aquela que sonha com uma maçonaria de efeitos especiais hollywoodianos, espiritualmente poderosa, a lá Harry Potter, concedendo poderes transcendentes, ao ensinar os segredos profundos do Ser e do Universo e manter contato com seres espirituais transcendentes, (quem sabe, até Ets?). O maior número de adeptos dessa “Maçonaria Mágica” deve-se à profusão de autores maçônicos estrangeiros e nacionais que tem desenvolvido seus escritos nesse sentido. O espírito sincretista comum no Brasil, associado à também comum ânsia pelo maravilhoso, pela magia, tem produzido efeitos desastrosos na compreensão da maçonaria pelos maçons brasileiros. Regidos pela leitura irrefletida, sem qualquer espírito crítico de obras que exploram esses aspectos, os adeptos dessa visão deixam de compreender e valorizar a maçonaria real, única existente, e de se dedicar a ela. A manifestação e expansão dessa interpretação da Maçonaria reflete-se em um resultado estarrecedor de pesquisa recente promovida pela Confederação Maçônica Interamericana: Menos de 5% dos maçons brasileiros sabe o que é Maçonaria!
Curiosamente, ninguém parece ser capaz de (ou está interessado em) considerar uma simples equação lógica:
No Brasil predominam as interpretações místico/esotéricas da Maçonaria.
Menos de 5% dos maçons brasileiros sabe o que é maçonaria.
Conclusão Óbvia: A interpretação místico/esotérica não provê uma descrição/definição adequada do que a Maçonaria realmente é!
Mas existe outro problema com essa concepção de maçonaria. Quando confrontados com a “equação” mencionada e o fato de que os delírios místicos de alguns autores não encontram respaldo nos documentos e rituais tradicionais (aqueles que não tenham sofrido alterações comprometedoras), seus defensores apelam para uma atitude mais constrangedora. Costumam atribuir a “capacidade” de ver “além dos rituais", as associações místicas de símbolos e procedimentos “revelados” pelo tipo de autores já mencionados, à uma especial casta, de verdadeiros maçons, os espiritualizados!
É um outro aspecto curioso: Costuma-se condenar com toda veemência a vaidade, tola e infantil, da exibição de aventais, adereços de graus e cargos, mas nenhuma palavra é dita condenando a verdadeira, profunda e deletéria vaidade de se considerar pertencente a essa “casta especial” de maçons, “superiores ao vulgo”— “espiritualizados!
A origem dessa interpretação místico/filosófico/religiosa da maçonaria é de longa data e tem como adeptos eminentes personagens, o que explica a sua persistência. Para bem desenvolver esse tema seria necessário grande número de páginas, ultrapassando o conveniente aqui. Faremos então apenas breve resumo.
Quando a Maçonaria “A Nova Ordem de Cavaleiros vinda da Inglaterra”, como foi considerada, estabeleceu-se na França, sofreu ramificações. Uma delas continuou a tradição britânica, com poucas adaptações. Outra, admitiu em suas lojas intelectuais materialistas, acabou por retirar a Bíblia do altar, e as referências existentes nos rituais ao Grande Arquiteto do Uni- verso. Uma terceira tomou rumo oposto: admitiu intelectuais místicos e ocultistas conhecidos, como Gerard Encause (Papus), René Guénon, Oswald Wirth, Jean Baptiste Willermoz, Martinez de Pasqualy, Louis Claude San Martin, entre muitos outros. Em geral esses ilustres ocultistas concluíam que “Os maçons não estão sabendo interpretar seus símbolos”, e fundavam uma “Loja Maçônica” “Como a Maçonaria devia ser”, à sua feição. Algumas, depois de certo tempo, assumiram seu caráter ocultista, mudando de nome, mas outras, mantiveram a estrutura organizacional das lojas maçônicas, e continuaram a se chamar “maçonaria”, com algum outro adjetivo agregado, se bem que só o nome mantivesse vínculo com a maçonaria tradicional.
No Brasil, entre os autores dessa linha um dos mais influentes é o inglês Charles Leadbeater, Teósofo, Co-Maçom (Maçonaria Mista), que escreveu: “A Pequena História da Maçonaria” e “A Vida Oculta na Maçonaria”. Seu método de pesquisa histórica era inusitado: Clarividência. Sentava-se em sua poltrona favorita e mergulhava em suas visões (devaneios?). Dizia-se capaz da pesquisar os “registros Akáshicos”, onde, na “Luz Astral” encontrava os registros de todos os eventos ocorridos na terra. Os dois livros citados foram escritos com esse método. Ele cita também como referência um ou outro teósofo.
Jorge Adoum é outro autor da mesma linha, que também não apresenta bibliografia, e Rizzardo da Camino é seguidor dos anteriores.
Para esses autores, “Iniciação” parece ter um único significado – o das escolas de mistérios – promover atributos psico/espirituais para permitir contato com seres transcendentes. Deixam de perceber os diferentes procedimentos e objetivos que, ao longo dos tempos, diferentes organizações nomeavam de Iniciação. No período Medieval, cada profissão filiada à respectiva guilda, admitia novos membros por meio de simples procedimento ritualizado, iniciando-os na nova profissão. Uma dessas guildas era a de pedreiros, que mais tarde, por mutação que também exigiria muitas páginas de comentário, originou nossa instituição. Nossa maçonaria sofisticou a simples iniciação dos pedreiros, acrescentando símbolos e interpretações filosóficas. O antigo pedreiro desbastava e polia pedras para construir catedrais, abadias e monumentos, o novo maçom entendeu ser ele mesmo a pedra, a princípio bruta, que precisa ser desbastada e polida para poder, harmonicamente contribuir na construção do edifício social humano. Completamente distante estamos dos procedimentos e objetivos das Escolas de Sabedoria da antiguidade.
Não obstante a clareza dos rituais, continuam diferentes autores e maçons em seus trabalhos confundindo a Maçonaria com outras Escolas de pensamento existentes, como a Teosofia, Cabala, Espiritismo, rosacrucianismo, etc. Entre os maçons que adotam interpretações místico/religiosas da maçonaria, nunca encontrei um sequer, que tenha aprendido essas interpretações na maçonaria. Sempre são originárias de leituras interpretativas de procedimentos e símbolos maçônicos segundo as doutrinas de uma das escolas citadas acima. Maçonaria não possui doutrinas sobre Deus, o Além, a natureza do Ser ou do Cosmos, nem exercícios para o desenvolvimento de atributos ou poderes místico/transcendentes. Mas, a influência dessa interpretação mística é tão grande entre maçons brasileiros que parece impossível extirpar, e produzir um entendimento maçônico da Maçonaria, isto é, buscar o significado maçônico de símbolos e procedimentos das iniciações, independentemente do que outras escolas possam dizer sobre os mesmos símbolos. Mas vale tentar.
*Nota: Edgar Morin é um antropólogo, sociólogo e filósofo francês judeu de origem sefardita. Seu verdadeiro nome é Edgar Nahoum (Paris, 8 de julho de 1921), A citação é de seu livro: "Para Sair do Século XX. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986.p. 44.
BIBLIOGRAFIA Adicional sugerida
COSTA, Frederico G. A Maçonaria dissecada. Londrina, A Trolha, 1995
D’ASSAC, Jacques P. O Segredo da Maçonaria. Aveiro, Actic, 1984
FAGUNDES, M. C. Maçonaria: Espírito e Realidade. Rio de Ja- neiro, Aurora.
LEPAGE, Marius. História e Doutrina da Franco-Maçonaria. São Paulo, Pensamento, 1985.
Hercule Spoladore - http://blog.msmacom.com.br/maconaria- passado-presente-e-futuro/
MELLOR, Alec. Os Grandes Problemas da Atual Franco-Maçonaria. São Paulo, Pensamento, 1982.
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